quinta-feira, junho 14, 2007

Horas

Helô acordou às 2h 13min da madrugada. Estava no meio de um sonho em que era devorada por um pit bull cheio de dentes espumantes. Ainda meio dormindo, escutou um grunhido estranho. Olhou para o lado e viu um homem de olhos semi-fechados e baba escorrendo pela boca. Ficou tão assustada que caiu da cama.
Helô se levantou às 2h 17min do chão. Havia dormido de novo quando caiu. Lembrou-se do homem esquisito em sua cama. “Era só um pesadelo”, pensou. Ao apertar os olhos, viu uma coisa enrolada em cobertas tomando conta de quase toda a cama. “Ah! É o Zé, meu marido...”.
Uma sensação de estranhamento a invadiu. Ela sabia que era casada, conhecia bem aquele rosto amassado deformando seu travesseiro. Mas parecia fazer tanto tempo...Sentiu como se não o visse há anos. No entanto, chamando pela razão e a memória, sabia que havia passado as últimas horas do dia anterior com ele. Haviam jantado um prato qualquer do China in Box, nem se lembrava o que, mas tinha muita cebola, seu hálito não a enganava.
Às vezes isso também acontece comigo. Acordo de repente no meio da noite ou mesmo de manhã e parece que sou outra pessoa. Tudo me parece estranho e me pergunto: “O que estou fazendo aqui?” Aos poucos, o mundo vai se tornando familiar de novo. Mas um pouco de você sempre se perde. Pode ser aquela dúvida cruel que misteriosamente se transforma numa decisão inquestionável, ou aquele amor louco que, do nada, perde o sentido. Aquele... que te fazia perder a cabeça, que espremia o seu cérebro o dia inteiro fazendo você só fazer merda... “É, merda na cabeça, é isso que você tinha” e esse é o seu novo pensamento.
Deve ser verdade que nossas almas saem dos corpos quando dormimos. Viajam... Aprendem coisas novas... Descobrem-se independentes. Entram em contato com o que foram em vidas passadas e um pouco do que serão em vidas futuras. Por isso mudamos alguma coisa em nós quando dormimos. Pode ser até a fisionomia. Não estou falando de ruguinhas que aparecem da noite pro dia. Mas um nariz mais comprido, olhos maiores...
Futuro! É nisso que pensa Helô, na frente da geladeira. Já tem 7min que ela procura, procura, mas nem sabe o que está procurando... Será que um vidro de maionese pode deixar sua vida mais leve? Não, maionese tem muitas calorias e é ruim pro coração... De repente, Helô acha que seu coração parou. Arregala os olhos e começa a procurar o pulso... Não encontra.
“Helô ô!!! Volta pra cama! Que cê ta fazendo, beim?” Esse “beim” já tá tão desgastado, que se ele a chamasse de “ow” era mais emocionante.
Helô senta-se no sofá às 3h 24min. Só na pontinha, como se nem fosse seu, o sofá. Olha para os porta-retratos na mesinha... Tem dois filhos: Du e Ju. Estão na colônia de férias agora. Helô não sente saudades. Nem se sente culpada por isso. “Fui eu mesma que pari?”.
Helô, às 4h 24min, ainda sentada no sofá, decide que vai embora! Pronto! Está decidida! Vai declarar sua paixão por Jão, o borracheiro. Vai rodar o mundo com ele! Vai virar aeromoça! Não, trapezista de circo! Não! Stripper!!!
Helô acorda no sofá às 6h. Arrasta-se até a cama. -“Tá frio! Me dá um pedaço do cobertor!” diz para o Zé.