segunda-feira, agosto 27, 2007

3 irmãos de sangue


“A vida é uma só. Ela é valiosa. O tempo é muito valioso. E nós devemos fazer da vida e do tempo o que melhor nós pudermos, todos os dias”. Essa, para mim, é a fala mais marcante do fundador da Ação da cidadania contra a fome, a miséria e pela vida, no documentário “Três irmãos de sangue”.
Herbert de Souza, o Betinho, Henrique Filho, o Henfil, e Chico Mário. Três personalidades incríveis, que mesmo marcados pelo azar (ou chame cada um como quiser) da doença, ou talvez por isso mesmo, “viveram”, no mais forte significado da palavra. Para si, e para o mundo. Se destacaram na sociologia, no humor e na música, lutando pelos direitos humanos e provando, por diversas vezes, o seu amor pelo Brasil. Com sensibilidade, otimismo, coragem e um grande ideal de liberdade e democracia.
Sabiam, mais do que a maioria de nós, que a morte era certa. Por isso, nem ligavam pra ela. Viviam um dia de cada vez, felizes e intensos.
“Nós devemos fazer da vida e do tempo o que de melhor nós pudermos”.
Saber a gente sabe, mas agir...

quinta-feira, agosto 23, 2007

Espinhos guardados

Ela se joga no sofá. Teve um dia cheio. Os pés inchados se libertam do sapatinho assassino, que só serve pra esmagar seus dedos. Pra que inventaram os sapatos? pra privar os pés da sensação do contato com o chão gelado. Livrá-lo das bactérias e sujeiras. Dos espinhos e pedras. Mas por que não inventaram alguma coisa parecida com isso para protegê-la dos espinhos e pedras da vida? Seria muito, mas muito mais útil.
Peeeem!!! Essa é sua campainha. Visitas não são bem vindas. Quanto mais quando se antecedem de um barulho infernal como esse. Acorda do seu estado letárgico em devaneios:
- É ele! É ele! É ele!
prhhrh...(barulho da porta se abrindo)
- Entrega para a senhora.
- Senhorita.
Um cactus. Visivelmente raro, mas visivelmente um cactus.
Junto, uma espécie de cartão postal. Sem especificações de cidade nem nada. A foto de um deserto. Simplesmente deserto. Lugares áridos são lugares áridos: simplesmente iguais.
E atrás do cartão, letras seguras e independentes:
"Não preciso de água, nem de exposição ao sol. Mas não me esqueça num canto qualquer da sua memória."
Espeta seu dedo. Como se machuca fácil.

terça-feira, agosto 14, 2007

Cyrano de Bergerac


Ele tem buracos na cara. Marcas de espinhas. Um nariz bem redondo e bem grande, de batata mesmo. Boca entortada pra baixo e olhos de gente ruim. Ele causa repugnância.
Ele tá sentado, no bar, sozinho. Olha muito pra baixo. Ele bebe cerveja.
Olha obsessivamente para a moça ao lado.
Ela está entediada, mas finge sorrir.
Ela sobe as escadas. Senta-se num pufe, tem um espelho na frente.
Ele sobe também. Passa por ela.
Depois volta. E diz, com voz de locutor de rádio:
“Eu não queria te cantar. Longe de mim. Você tem uma poesia tão linda no seu rosto. Não deixe ela se perder. Não deixe.”
Vira-se e vai embora.
E por um instante, ela se lembra de Cyrano de Bergerac.

quinta-feira, agosto 09, 2007

Minha mãe


“Pode contar comigo pra qualquer coisa. Aconteceu alguma coisa? Pode me contar. Você tá com algum problema?” Essa minha mãe é maluca mesmo. Ela diz isso com a certeza de que eu nunca diria algo do tipo tô grávida ou matei alguém. Se fosse algo assim, claro que ela me apoiaria também, não sem antes encher meu saco e brigar daquele jeito tão irritante e insuportavelmente repetitivo, que mais parece um disco furado. (Parece até quando eu era criança e ela falava: pode sair do banheiro, eu não vou te bater não. E quando saia, era chinelada, Rider, na certa.) Mas agora ela sempre diz isso esperando que eu finalmente me abra e diga que estou apaixonada e sofrendo de amores, ou que seja mais uma das minhas crises existenciais, que eu não sei se ela sabe, mas eu só tenho perto dela. Porque sei que ela é a única capaz de realmente se preocupar comigo. Mãe é a única pessoa capaz de deixar suas coisas pessoais de lado pra nos dar atenção. Só ela é capaz de detectar a quilômetros quando não estou bem. O que seria de mim sem ela? Pai, me desculpe, mas a minha mãe é a pessoa que eu mais amo no mundo.
Ela tem muitas peculiaridades. Me sinto a mais sortuda do mundo por ser filha dela, e não de uma de minhas tias, ou de qualquer outra mãe que eu conheço. De ser filha da ovelha negra da família, aquela da qual as gargalhadas escandalosas causavam vergonha nas outras. Aquela que come deitada no sofá. Que come com as mãos enquanto os talheres ficam encostados no prato. Que parece índio, andando pelado por aí. Que parece criança. Que belisca besteiras o tempo inteiro, enquanto as outras irmãs tem hora pra tudo, cardápio adequado e lugar certo pra cada verdura e legume no prato. “Dina é fomenta.” Dizia minha avó com seu sotaque nipoenrolado.
Minha mãe já fez meditação com uns mantras muito esquisitos, tomou chazinho de colgumelo no Santo D’aime e quase morreu, praticou seicho-no-ie, mexeu com rosa-cruz, umbanda, pai de santo, quase morreu de novo e jura de pés juntos que foi obra de macumbaria. De repente, virou crente. Ela não quer que a gente fique espalhando isso por aí, mas a verdade é que agora ela vai orar em alguma igreja todo dia. Parece até que tá de rolo com um pastor. E sua frase preferida agora é: “Sangue de Jesus tem poder”. Ela já me fez rir muito, na verdade somos companheiras de crises de risos. Morro de rir quando tento ensiná-la a usar o celular e ela sempre diz que eu não tenho paciência pra explicar, e agora morro de rir, e ela também, das suas tentativas frustradas e hilariantes de fazer orações, com todo o barulho que o evangélico tem direito.
Ela já colocou silicone nos peitos, já fez massagens e mais massagens redutoras pra depois encher a cara de doces, já fez bronzeado artificial só com fita crepe grudada no corpo, já foi passear na moto BMW de um cara que conheceu num bar. Nunca foi muito de seguir convenções e obrigações sociais, nem de fazer nada que não estivesse com vontade, só por educação. E isso eu acabei aprendendo um pouco com ela. Mas sempre foi muito querida por todos, e nunca foi de deixar a peteca cair. Com uma força sobrenatural, e uma ajuda oculta, vinda sei lá de onde, sempre conseguiu resolver seus problemas com bom humor.
Entre as minhas melhores lembranças de infância, estão o barulho do carro dela chegando na garagem, que eu reconhecia de longe, na hora da novela das 6. A roupa branquinha, o cheiro característico de material odontológico. Cheiro de mãe. A bolsa sempre cheia de balinhas e chocolates ganhados dos pacientes. E a minha mais antiga lembrança: ela entrando pelo portão de casa com uma bandeja de iogurte nas mãos. Chambinho vermelho e verde. Juro que lembro disso, eu devia ter 1 ano e fiquei muito feliz. Lembro de caber certinho no vão da estante amarela do consultório. Lembro também das surras duplas que eu levava quando ia brincar de lutinha com o Marquinho, meu irmão mais velho, em cima da cama dela. Apanhava dele, e depois dela. E chorava, chorava, chorava. Como eu era chorona.
Me lembro do dia em que ela se escondeu debaixo da cama pra me dar um susto, sendo que ela morre de dor nas costas, e do dia em que, com mais ou menos 10 anos, perguntei pra ela o que era orgasmo. E ela, tentando ser o mais natural e aberta possível, quase encenou um na minha frente. É que eu tinha visto um depoimento na capa de uma revista: “Descobri o que era orgasmo aos 60 anos”. Eu descobri aos 10, muito assustada. Se dependesse daquilo, nunca iria querer ter um. Quase morri de constrangimento. Então tá, né! Orgasmo então é como um ataque epilético... ahn...
1 metro e meio de gostosura pura, minha mãe nunca foi de academia, morre de preguiça de fazer exercício, mas sempre fez ginástica pra papada e uns estralos na coluna muito engraçados. Uma peça a Dra. Alcedina, uma pessoa e tanto. Que serve até de psicóloga de vez em quando. Coitada, tem gente que acha que seu ouvido é pinico, liga e fica horas despejando os problemas em cima dela. Porque sabem que ela sempre tem as palavras certas, o jeito certo, o tom de voz mais gostoso.
E por mais que eu saiba o quanto eu preciso ser independente, é muito bom saber que alguém me ama tão incondicionalmente e que vai estar sempre ao meu lado. E por enquanto, vou aproveitando a incrível sensação de proteção e a ótima companhia da minha mãe. Sinto muito, mas jogaram a fôrma fora. Mãe igual à minha só tem uma.

sexta-feira, agosto 03, 2007

Osho


"Não há nenhum caminho, nenhum lugar para se ir,
nenhum conselheiro, nenhum professor, nenhum mestre.
Parece difícil, parece áspero, mas estou fazendo isso porque amo vocês e
as pessoas que não fizeram isso, não amaram vocês de jeito algum.
Eles amaram a eles mesmos e amaram ter uma grande multidão ao redor deles
– quanto maior a multidão, mais eles se sentiam nutridos em seus egos.
Eis porque chamei à própria iluminação de o último jogo.
Quanto mais cedo você abandoná-lo, melhor.
Porque não apenas simplesmente ser?
Porque desnecessariamente correr pra cá e pra lá?
Você é o que a existência quer que você seja.
Então relaxe."
Osho